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Foto do escritorSonaira D'Ávila

Oh vidão!

Atualizado: 12 de out. de 2019


Fiquei meses no Brasil pensando no que escrever. Desde de Dezembro na verdade.

E estou aqui, no Rio em que cresci.

Eu, que tenho escrito mentalmente diversos textos apesar de tudo, só agora começo a digerir esta minha temporada aqui e publicar algo.

Sorry, me desculpem.

Chegar em Dezembro no Brasil saindo da Alemanha é algo que cada vez fica mais “dramático”. Os -2 graus que deixei na Bavaria em questão de horas se evaporaram. Este verão no Rio beirou o infernal. As sensações térmicas bateram mais de 50 graus fácil fácil com um pico histórico de 63 GRAUS na região dos Lagos. Sem chuva ou brisa pra aplacar.

Adoro sol e esta é a minha Rota. São seis meses aqui no Brasil e seis meses na Europa- meio a meio enquanto o destino permitir. Sempre fugindo do extremo frio.

Mas como é encarrar o calor brutal?

É muito delicado lidar com os extremos. Tudo se amplia. No caso do calor, vem junto com ele a irritação, a falta de humor, a pressão, a agitação, a agressividade, a intolerância, o caos...Tudo passa a ser MUITO. E te exige muito. Muito tempo, paciência, respeito, educação, valores... principalmente neste momento de falência da nossa sociedade como um todo e em especial aqui no Brasil.

Difícil não se deixar contaminar por uma sensação de impotência e perplexidade da velocidade das mudanças que tem se manifestado. Parece que é hora de passar o mundo a limpo, e as coisas aqui no Rio estão intensas.

Estranho, mas tudo acontece freneticamente e é como se eu não pudesse contribuir em nada.

Esta temporada foi tanta solicitação e sem conseguir dar conta de tudo. Muita coisa mudando e se reestruturando com uma urgência de organizar e resolver questões que não cabem mais, mas que estavam ali a tempos. Na minha vida e no mundo, no micro e no macro. Como se não houvesse amanhã...o time é agora.

Cada ida e volta me deparo com uma banalização de questões. Violências de todos os tamanhos que anestesiaram a todos.

A cada chegada me sinto sem reflexos para enfrentar os jeitinhos “brasileiro” de ser.

Não, não me acostumo mais a ver um grupo de crianças de 10,11 anos num ônibus, acompanhado de adultos que eles ensinam esta a te furtarem lá dentro, como aconteceu comigo na primeira semana que cheguei. Não posso achar normal ter que comprar uma “pochete”, o novo item de sobrevivência no Rio de Janeiro disponível a cada esquina. Algo que você esconde por dentro da roupa e na bolsa leva o dinheiro do ladrão, just in case. E pela primeira vez em 8 anos, tirei minha aliança de casada e guardei depois que me olharam com muita atenção no centro da cidade.

Não, não posso achar legal passar o Natal ao som dos tiros da comunidade em guerra.

E aniversário na casa de amigos? Os tiros comendo soltos lado a lado com o ensaio do carnaval e ninguém nem se emocionou. Afinal: -“... esta comunidade aqui está em guerra com aquela ali”, alguém tentava me explica e deixar mais calma.

Ah! Calmíssima fiquei.

Outro dia meu marido alemão comentou que é um absurdo e que seria punido o prefeito que em Munique não fosse “abrir” a Oktoberfest com as marteladas no barril de chope, por que ele não bebe. É uma questão de protocolo e faz parte da função- PREFEITO.

Pois aqui, no meu amado Rio, o recém empossado Prefeito nem se dignou a aparecer no Carnaval por motivos religiosos. Sorry, é prerrogativa da função. E ficou por isso mesmo.

Imagem Google

Fui ver o desfile das campeãs e o Cristo foi proibido de entrar no Sambódromo, numa linda homenagem as religiões. Ficou abandonado num galpão, símbolo mais do que perfeito do isolamento das crenças atualmente no mundo. Eles todos não entendem nada de DE EUS.

No final emocionante desta festa de comunhão com o sol raiando na Avenida e as pessoas atrás da Portela, uns 30 metros na minha frente, um rapaz com a camisa do flamengo puxa uma arma e atira em outro. Literalmente, vi, de camarote, ele passar e sumir na multidão. Demorei até perceber, atônita, o que aconteceu. “Foi só um acerto de contas”- comentou alguém do meu lado e o que seria um escândalo no mundo é uma notinha no jornal de tão banal que ficou tudo por aqui.

E como me incomoda cada vez mais a desordem, o desperdício, a sujeira, a esperteza, a falta de pensamento coletivo...A hipocrisia! Ninguém sabe de nada e a impunidade é geral.

Ok, tô ficando chata, ou envelhecendo. Ou as duas coisas juntas. Será?

Depois que se vive em um país como a Alemanha em que a eficiência, o planejamento, a educação, a honestidade são parâmetros mundiais, a comparação passa que ser quase automática. Me diz como faz? Como ser complacente?

Fico vendo os comentários das pessoas, o que elas dissem ( e pensam) de quem se dispõe a não aceitar e partir pro mundo.

Tudo deve parecer um paraíso, férias eternas, um sonho, um objeto de desejo aos olhos do outro.

A realidade vai além das fotos do face ou Instagram. As pessoas se acham sem escolha no Brasil. Ninguém imagina o que quem vai morar fora de qualquer lugar em que foi criado, tem que reaprender os códigos, que compreendemos o mundo do ponto de vista do nosso lugar, que pro "sonho "não virar pesadelo, o limite é um passo e muita ação para mudar. De dentro pra fora.

E como é difícil o “ser estrangeiro” em qualquer canto do mundo, até mesmo na sua casa.

Para que eu pudesse viver meio ano em cada “mundo”, muito tempo foi gasto, planejamento foi feito e muita coisa redimensionada. Imagina isso depois dos 50 anos...Como é imprescindível deixar pra trás, desapegar, abrir mão, palavras clichês que na prática impõe muita ação.

E escolhas.

A vida tem que caber numa mochila as vezes. E aprender a reduzir a “bagagem” talvez tenha sido uma das mais difíceis lições desta minha Rota este anos todos.

Ter foco, não se contaminar e renovar são as lições deste ano de 2017. Parece que este é o maior legado que a Era de Saturno (que começou neste ano) vai nos deixar daqui a 36 anos.

E já falando dele (Saturno) hoje a NASA nos revelou nesta véspera de feriado a existência de Enceladus. Sinais de resnascimento?

Só nos resta seguir... com delicadeza, rumo a um novo mundo.

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