Ser imigrante é viver entre dois mundos
- Natalia Gautreaux
- há 12 minutos
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Em 2017, minha família e eu viajamos para Portugal e passamos um mês explorando diversas cidades, como Lisboa, Aveiro, Porto, Braga e outras. Foi nessa experiência que nos encantamos pelo charme de Lisboa e conseguimos nos imaginar construindo um novo capítulo de nossas vidas fora do Brasil.
Nunca havíamos cogitado morar no exterior, mas essa possibilidade surgiu quando nos sentimos em casa, mesmo longe da nossa cidade natal, o Rio de Janeiro. Apesar das paisagens naturais deslumbrantes, o Rio nos trazia uma crescente sensação de insegurança e, a cada dia, nos privava um pouco mais de qualidade de vida.
Durante três anos, nos organizamos para tomar as medidas necessárias e iniciar o processo de imigração. Meu pai encerrou sua empresa, minha mãe se aposentou após 35 anos na mesma empresa e eu concluí minha graduação em Direito.
Recém-formada, decidi mudar de área e embarcar em uma nova jornada profissional. Dediquei-me aos estudos para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), pois estava afastada das disciplinas escolares há anos. Apesar do nervosismo no dia da prova, fui bem e pude utilizar minha nota para ingressar no curso de Design em universidades parceiras em Portugal. Dentre as instituições que considerei, a que mais me interessou foi a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL), devido à sua excelente reputação e grade curricular. Quando recebi a notícia de que havia sido aprovada em 2º lugar no curso de Design de Comunicação, a felicidade foi imensa.
Tudo estava caminhando conforme planejado, e nossa mudança para Portugal parecia estar cada vez mais próxima. Solicitamos os vistos: o D4, de estudante, para mim, e o D7, de aposentados, para meus pais. Assim que nossos documentos foram aceitos, sabíamos que os vistos poderiam ser concedidos a qualquer momento. Começamos, então, a vender nossos pertences e nos preparar para a mudança, programada para abril de 2020.
Nosso plano era chegar antes do início das minhas aulas para nos adaptarmos à nova cidade e rotina. No entanto, no dia 16 de março de 2020, a pandemia se agravou no Rio de Janeiro. O então governador, Wilson Witzel, anunciou uma série de medidas restritivas para conter o avanço da Covid-19. Eu estava em Arraial do Cabo com amigas quando fomos surpreendidas pela notícia de que a cidade seria fechada. Tivemos que arrumar nossas coisas às pressas para retornar ao Rio.
A partir dali, enfrentamos dias e meses de incerteza. Nós já havíamos nos desfeito da maior parte dos nossos bens e nos perguntávamos se havíamos tomado a decisão certa. A falta de previsão para o fim da pandemia, aliada à ausência de perspectivas sobre uma vacina nos gerava muita angústia e ansiedade.
Durante o verão europeu, as restrições em Portugal foram flexibilizadas e meu visto foi concedido. Como já estava com tudo relativamente organizado, minha mudança não foi tão complexa. Já o visto dos meus pais demorou mais alguns meses para ser analisado. Diante disso, me organizei para viajar sozinha e, no dia 3 de setembro de 2020, embarquei nessa nova aventura.

Chegar no verão foi uma experiência positiva. Senti a energia vibrante da cidade, mesmo com menos turistas do que o habitual. O calor de Lisboa contrastava com a minha experiência anterior, quando a visitei no inverno rigoroso de dezembro e janeiro.
No início, foi desafiador estar sozinha em um país novo. Com o fim do verão, novas restrições entraram em vigor e minhas aulas foram remotas. A solidão era intensa e a casa vazia parecia ecoar. Nunca havia sentido algo semelhante. A dificuldade em fazer amizades foi outro obstáculo. O contato era limitado às telas e os portugueses, culturalmente mais reservados, precisavam de mais tempo para construir laços. Eu, acostumada com a facilidade brasileira em criar conexões, demorei a entender essa diferença. No entanto, com o tempo, compreendi que nem todas as relações precisam ser instantâneas.
Aprendi a ser mais seletiva e a valorizar as amizades construídas com paciência e reciprocidade. Felizmente, minha turma contava com mais três brasileiros também iniciando uma nova vida em Portugal. Apesar de virmos de diferentes regiões e termos idades distintas, conseguimos nos conectar e formamos um grupo de apoio essencial nessa fase inicial.
A adaptação à gastronomia portuguesa foi mais fácil do que imaginei. As influências lusitanas já estão presentes na culinária brasileira e gostei da maioria dos pratos tradicionais logo de cara. Bacalhau e um peixe chamado dourada estão entre os meus favoritos, mas em casa não abrimos mão do arroz com feijão e do nosso tempero característico. A existência de mercados especializados em produtos brasileiros também facilitou a transição, garantindo um gostinho de casa sempre que a saudade apertava.
Falando em saudade, ser imigrante é viver entre dois mundos. A saudade do Brasil nunca desaparece, mas ao mesmo tempo, aquele lugar que já foi "meu mundo" não me pertence mais da mesma forma. Não acreditava nisso até vivenciar essa transformação. O Brasil sempre estará em meu coração, mas minha vida não cabe mais no formato de antes. Aprendi que minha identidade não está atrelada a um único lugar e me sinto uma cidadã do mundo, alguém que pertence a vários lugares ao mesmo tempo sem precisar escolher apenas um para chamar de lar.

Algo que me conquistou em Portugal foi o hábito de tomar café na esplanada. Diferente do Brasil, onde muitas vezes o café é tomado rapidamente no balcão, os portugueses fazem desse momento um ritual de apreciação. Sentar-se ao ar livre, observar a cidade e desacelerar o ritmo são pequenos prazeres que aprendi a valorizar. Curiosamente, não bebia café antes de vir para Portugal, mas hoje não saio de casa sem essa pausa estratégica.
Lisboa é um paraíso para quem ama cultura. A cidade oferece uma vasta programação gratuita, como concertos ao ar livre, festivais de cinema e exposições. Diferente do Brasil, onde o acesso a esses eventos pode ser mais restrito, em Portugal há uma forte valorização da cultura enraizada na população. As famílias fazem questão de transmitir esse hábito para as novas gerações, levando os filhos a eventos culturais desde pequenos e cultivando uma relação natural com a arte, a história e a música.

Atualmente, eu me envolvo muito mais com a cultura e me identifico com essa mentalidade, que faz com que pra mim o lazer em Lisboa não seja apenas um passatempo, mas uma verdadeira imersão no patrimônio cultural do país e valorizar isso, é manter a história sempre viva.
Quase cinco anos depois, morar em Portugal continua sendo uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida. Apesar dos desafios que todo imigrante enfrenta, essa jornada foi essencial para meu crescimento pessoal. A adaptação nem sempre é fácil, mas tive a sorte de encontrar pessoas simpáticas e solícitas que tornaram o processo em algo muito mais leve para mim e minha família. Hoje, já estamos instalados e adaptados ao jeito português de viver, e olhar para trás me faz perceber o quanto essa mudança foi transformadora.
Agradeço à Natália do passado por ter tido coragem de fazer uma transição de carreira e por encarar essa jornada com muita resiliência. Hoje sou mais feliz, porque ela não desistiu de fazer dar certo diante das primeiras barreiras.
Fotos: Acervo pessoal
Natália Gautreaux é carioca. Formada em Direito pelo IBMEC-RJ e trocou de carreira há cinco anos quando se mudou para Portugal. Agora, faz licenciatura em Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Ama planejar roteiros de viagens, escrever e explorar novas culturas.
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