Fechei a janela e quase virei europeia
- Ana Maria Villaça
- 5 de jul.
- 2 min de leitura

Depois de quase uma década morando em Portugal, posso finalmente anunciar, com pompa e circunstância: fechei as janelas no verão. E minha vida mudou.
Não foi uma decisão fácil. Como boa carioca nascida e suada, cresci com o mandamento térmico do ar circulando: janela aberta, ventilador girando, gente suando em paz. No Rio, se a janela está fechada no verão, ou você tem ar-condicionado glacial (nível pinguim norueguês) ou está tentando abafar algum segredo. Mas em Lisboa, a história é outra.
Aqui, o calor chega como quem não quer nada, com um sol quase poético, luminoso, educado. Ele entra pela janela sorrindo, aquecendo a alma… e cinco minutos depois está fritando seu cérebro e transformando seu sofá numa "chapa grill".
O detalhe é que as casas em Portugal são frias. Muito frias. No inverno, você sente isso no osso. No verão, elas se tornam uma armadilha: se deixar o calor entrar, ele não sai mais. A casa vira um forno e você, o assado principal.
E o pior: o calor não vai embora à noite. Fica. Paira. Observa.

Dormir com a janela aberta é convite para o ar seco e todos os sons aleatórios do verão lisboeta (inclusive aquele vizinho que descobriu o ukulelê em julho e acha que é o novo Caetano).
Foi então que, num raro momento de sabedoria prática (ou puro desespero), fechei a janela.
E descobri o truque europeu da casa que se isola. Sim, aqui as construções são feitas para reter o calor (ótimo no inverno, um pesadelo no verão). Se você fecha tudo antes do sol entrar com seus dois pés no peito, a casa permanece minimamente habitável. A diferença é real. E emocional.
A sensação foi tão forte que pensei: “Pronto. Agora sou oficialmente uma imigrante integrada. Fechei a janela no verão. Me falta só usar meia com sandália.”
Claro que tudo isso seria impensável no Brasil, onde o verão é outra entidade. É tropical, é barulhento, é úmido, é visceral. As janelas ficam escancaradas, o ventilador de teto gira como se estivesse tentando levantar voo e você aprende a coexistir com o suor como parte da personalidade.

Aqui não. O verão europeu te engana com paisagens lindas e ruas de pedra, mas exige estratégia. É um jogo de xadrez térmico: feche às 9h, abra às 21h, não ligue o forno, não respire forte. E tudo vai dar certo.
Enfim, só queria registrar essa pequena vitória da minha vida em Portugal: demorei nove verões, mas descobri que o segredo é fechar.
Fotos: Acervo pessoal
Ana Maria Villaça é carioca e vive em Lisboa há mais há mais de sete anos. É advogada e consultora jurídica. Atua na área do Direito Migratório e Imobiliário auxiliando e orientando famílias que desejam entrar com procedimento de nacionalidade, vistos e regularização de residência e a viver legalmente em Portugal.
コメント