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  • Foto do escritornaravidal

Inglaterra

Atualizado: 11 de out. de 2019


(Nota sobre a imagem: vejam como é engraçada a vida. Minha filha se deslumbra com a paisagem de Londres, com a câmera na mão. Exatamente como fez a minha mãe quando veio pela primeira vez. A última visita dela, no entanto, coincidiu com os dois extremos que somos. Minha filha nasceu e minha mãe morreu. Ficam a vista, a arte e a capacidade de se encantar)

Aos nove anos eu olhava a paisagem repetida da minha janela e, ao perceber que minha mãe entrava no quarto eu, sem tirar os olhos do pé de manga, avisei: “sinto saudades do que ainda vai acontecer.”

Aquelas palavras na boca de uma criança soaram com um peso incomum. Minha mãe carregou essa espécie de premonição até o fim dos seus dias, quando eu já morava lá, nesse lugar que imaginei desde os nove anos.

Veio cedo também o meu interesse por línguas. Ainda num tempo em que homens com cheiro de Rexona, alfazema e musk batiam às nossas portas oferecendo o mundo dentro das enciclopédias, meu objeto de desejo era um dicionário de inglês. Um dia ele veio. Herança de um vizinho morto. Aquele livro encontrou nos meus olhos e mãos, o cuidado necessário para virar permanência. Nunca se fez obsoleto e esse é o único livro que sempre carreguei comigo.

Meus pais, sabendo do risco da partida, acharam por bem me preparar. Com incrível dificuldade pagavam passagem de ônibus e um curso de inglês na cidade grande perto da pequena. Eu fui a melhor aluna. Fiz valer cada centavo investido quando um dia, de Londres, mandei que fizessem um passaporte. O primeiro da vida deles já nos seus 60 anos. Foram ver de perto, depois de anos ensinando Geografia e História, toda a prática daquelas teorias. Comprei as passagens e mostrei pra eles o meu sonho. Nunca deixaram de sonhar comigo. E os pobres coitados, aqueles que amam, possibilitam a partida tão sofrida. Carregam um amor tão grande e descabido que são capazes de comprar as palavras de um cursinho de inglês e dar de presente pra que você vá embora, naquela boba esperança de que você seja pra sempre feliz. Mesmo no inverno, o de dentro e o de fora.

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