A CAIXA DE NATAL
Há, talvez, algo em comum entre todas essas pessoas desnaturadas que têm a coragem de abrir mão da maionese com maçã, do pernil, do arroz com passas, do pudim de leite e do salpicão no Brasil no fim do ano só para realizar sonhos.
Coisa mais egoísta essa coisa de sonhos. Como temos a audácia de estragar aqueles Natais felizes com a nossa ausência e com família distante?
Quem pode ser assim tão descompromissado? Eu, por exemplo, que dez dias depois do ataque às torres gêmeas em Nova Iorque cheguei à Inglaterra. Enfim, Holidays em Londres! O Natal logo ali nas esquinas cada vez mais cinzas e frias do Hemisfério Norte.
Lembro-me de que, numa tarde de novembro, dentro da escuridão das três da tarde, querer descer do carrossel, parar a brincadeira e ir procurar o abraço certo da mãe e do pai. Mas, agora, era preciso ter a tal responsabilidade: uma senhora velha e sisuda que não nos deixa mais em paz. E, essa responsabilidade gritava pra mim a cada tarde escura que eu precisava manter não só o pé, mas a cabeça firmes. Foi quando eu me dei conta de que um Natal inteiro aconteceria sem mim. Aquele Natal não seria um Natal em família.
Natal lá em casa sempre foi das melhores festas. Minha mãe adorava. Cozinhava em fúria, dias e dias. No dia vinte e quatro, feito um milagre, uma mesa linda como se não tivesse dado trabalho nenhum, estava lá posta para a celebração: enfim, a ceia de Natal. E, agora, pela primeira vez em tudo isso caberia a minha falta.
Pensei em inúmeras formas de me fazer presente, acreditando firme na minha importância durante a ceia. E, decidi comprar uma caixa dessas bem grandes. Lá dentro, coloquei a única doçura que era possível transportar: chocolates, bolos, biscoitos, caramelos, balas e um lindo e enorme cartão de Natal.
A moça dos Correios tentou me fazer raciocinar explicando que aquela caixa custaria mais de setenta libras pra ser enviada. Que chocolate nenhum valia tanto dinheiro! Que eu gastasse este dinheiro nos meus Holidays em Londres.
Mas, não cabia à moça dos Correios entender minha urgência de amor. Bati firme o pé, feito um burro empacado, e fui adiante na decisão. A caixa chegou a tempo do Natal. Minha mãe, ao telefone, chorosa, lamentava uma festa sem mim. E, curiosamente notou:
- Filha, obrigada por tanta doçura na caixa. Mas, estranhamente, algumas caixas de biscoitos vieram abertas com coisas mordidas e faltando.
- Sim, eu sei. Fui eu. Era bom testar se aquilo tinha qualidade.
Aquele meu ato imaturo de comer partes do que era pra ser presente, foi tudo o que faltava para que minha mãe sentisse que, sim, eu estava ali. Como sempre fui, a sua criança, boa e má, mas inteira mesmo que longe.
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