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Morar fora do Brasil: Saudade de quê?

Atualizado: 12 de out. de 2019


Minha filha aprende o português

Morar fora do Brasil:

Quem nunca sonhou em arrumar as malas e se mandar para um lugar melhor? Porque somos todos, tolos, feitos de esperança, imaginamos que lá fora, em terras longínquas, ou lá na frente, no futuro, seremos melhores, maiores, mais felizes.

Vem então, a arrogância da juventude e nos catapulta para terras estrangeiras, certos de que a vida familiar não serve mais, é pequena demais e nela não cabe o todo que somos.

Deixamos agonizando, parados e com pés fincados na realidade rejeitada, pais, amigos, irmãos, amores. A cada peça dobrada na mala, o cálculo certeiro de uma atitude inteligente. O mundo é maior que o amor de pai e mãe, certo? Afinal, esse mesmo amor, exagerado e dado em doses cavalares, pode nos sufocar, limitar nosso potencial de ser, estar e então, asas pra que te quero! E lá vamos nós morar fora do Brasil!

No avião, a falta do adeus, mãos abanando um ar de saudade, de bem querer. Já não encontramos olhares dispostos à nossa angústia. Com uma determinação impressionante seguimos na contra-mão, porque o estranhamento nos fascina. Explorar espaços, observar estrangeiros, ouvir, viver línguas, que maravilha! Mais cedo ou mais tarde, feito um sabonete seco jogado na cabeça da gente depois de uma briga de irmãs, caímos na realidade e concluímos que estrangeiros somos nós. Essa terra que eu agora piso tem donos e o meu território será sempre aquele que deixei pra trás. Haverá sempre, para sempre, a pergunta “o que te traz aqui?”, “por que deixou o Brasil?”

Há quase quinze anos eu tento me explicar. No começo, a grande festa, raros telefonemas para casa, sempre ocupada em algum pub, ocupada me divertindo, me misturando, me perdendo e me achando. A resposta lá atrás era a mais simples: aqui estou para aprender a falar bem o inglês, para fazer um mestrado, para, de alguma maneira, encontrar Shakespeare.

Nessa sequência, um intervalo me levava de volta para a terra da qual não fiz muita questão. Encontrava amores novos nas vidas das amigas, cortes de cabelos diferentes, expressões e gírias que eu já não conhecia. De uma maneira impressionante, apesar da minha ausência, o mundo lá nas entranhas das Minas Gerais, girava. O amor de sempre já não estava mais disponível. Meu quarto já era um cômodo obsoleto e precisava ser transformado. Passei a ter um colchão debaixo da cama de uma das irmãs.

Mas sempre queria voltar para terras distantes. "Voltar" passou a ser um verbo com complementos obrigatórios. "Voltar" simplesmente já não era possível. Era preciso me posicionar. Voltar pra casa. Que casa? Estava me adaptando, a língua já não era problema, já não me escandalizava com os apertos de mão ao invés dos beijos e abraços.

Das minhas janelas, as estações do ano! Que espetáculo inédito e deslumbrante! Numa dessas estações achei por bem criar raízes nessas terras tão estranhas. Fiz um filho. Depois fiz outro. É comum eu sentir meus braços em imensa dor, sendo puxados cada um para lados opostos até que eu seja esticada e precise gritar para retomar os sentidos. Em cada extremidade dos braços, uma nação, uma língua, uma família, a minha vida toda.

Não deve ter coisa muito mais sofrida que pegar um avião depois de enterrar a própria mãe. O coração sempre se contorce nos abraços e beijos dos aeroportos, e dentro de mim, peço a quem me escutar que os mesmos abraços estejam ainda me esperando quando eu fizer o caminho de volta mais uma vez. O mundo anda, os minutos passam sem a gente por perto. Busco desesperadamente plantar nos meus ingleses a minha língua, o meu sotaque. Não é pra mim: é pra quem ficou pra trás. É para evitar exatamente a ruptura que tanto quis no início de tudo. É para clamar de volta, ainda que tardia, a responsabilidade que não tive.

Enfim, morar fora do Brasil! Aqui fora é tão lindo e hoje ainda é outono. Mas lá atrás é primavera e já é futuro. Fico achando que é isso a saudade. A incapacidade de viver o presente que logo ali, feito mágica, vira amanhã. O que fica pra gente é só a lembrança, a que a gente já não vê mais. Só sente.

Secretamente, mostro pros meus ingleses que não há aperto de mão que se compare a um beijo e um abraço apertado. Deixo aqui meu beijo para quem é de beijo. Meu abraço pra quem é de abraço. E para quem é de aperto de mão deixo, orgulhosamente, o meu estranhamento.

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Nara Vidal mora fora do Brasil

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