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Fixar olhar na paisagem

Atualizado: 28 de dez. de 2019


Não vou, obrigada. Prefiro ficar sozinha. Estou com saudade de casa.

Foi o que eu disse aos 26 anos quando a família para a qual eu trabalhava tomando conta dos pequenos, me avisou que passaríamos o Natal na casa da irmã rica em Hyde Park. O que eu não sabia era que, quando o inglês sugere que você faça algo, ele está, de fato, lhe dando uma ordem. A sugestão de ir passar o Natal em Mayfair, ao lado do Hyde Park foi acatada e, mesmo querendo estar sozinha, me vi no meu primeiro Natal aqui, com pessoas e hábitos estranhos: dos presentes abertos ao longo do dia 25 até a lembrancinha para cadela da casa, embrulhada ricamente numa caixa que dizia na frente "Chanel". Uma coleira nova para o bichinho. Um ato de total indecência na minha opinião, já que a peça certamente custava mais que toda a festa de Natal organizada com esmero lá em Minas.

No dia 24 teve um jantar. Me lembro de alguns convidados que não eram da família. Cada qual com seu lugar marcado à mesa pela anfitriã. O meu era ao lado de um pianista jovem e que pelo que entendi, estava procurando companhia para passear por Hyde Park no dia do Natal. O rapaz sofria de imensa ansiedade e talvez por isso não tivesse a quem dar as mãos enquanto avistava o lago da Serpentine. A dona da casa sugeriu que eu fizesse companhia ao rapaz no dia 25 para um passeio e um café. Já tinha entendido que a sugestão era uma ordem e concordei.

Entre as paredes feitas de painéis de carvalho e a louça caríssima, pedi licença e fui para o quarto que seria meu por 2 noites. Não conseguia dormir porque sabia que na mesma rua morava a Madonna. Liguei a TV. Passava Sliding Doors. Pensei, inevitavelmente, nas minhas escolhas e de como evitamos dramas e triunfos porque escolhemos subir num vagão e não no outro. Eventualmente a imagem que eu criei da Madonna fechando as cortinas da casa da frente sumiu e quando eu acordei, me lembrei do pianista. Eu me arrumei, desci, abri um presente que não tinha Chanel escrito na caixa, mas pelo qual fui muito grata, e saí. No café da esquina tocava Last Christmas e George Michael/ Wham passaram a ser companheiros de todo Natal. O ponto de encontro com o rapaz tímido do jantar de ontem era ao lado esquerdo de quem vem na Serpentine. Pensei no Sliding Doors e tomei o outro caminho. Com a desculpa questionável de que , recém chegada à cidade eu teria me perdido no parque, sutilmente desacataria as ordens sugeridas.

Estava aprendendo bem com os ingleses! Com a grama toda feita de gelo naquela manhã, Sliding Doors foi a única certeza que eu tive. Que dia lindo era aquele! E a única forma de evitar decepção é fixar olhar na paisagem. Ela nunca nos desaponta, mesmo quando é inverno, não tem folha e não faz sombra.

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