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  • Foto do escritorDo Rio pra cá

Intervenção da nossa omissão


Desde 2012 comecei devagarinho uma migração pra Alemanha. Muito devagar. Alguns meses lá e outro cá. A cada ida e vinda mais ficava claro pra mim dos sinais que o Rio me dava. Sinais de que algo vai mal por aqui. É, a gente se acostuma... A distância me fez ver “a cidade que seduz mas não se entrega, promete mas não cumpre” que li em algum lugar. Aquilo que antes me parecia normal, e que a gente se acostuma e tolera, passou a me irritar e doer. Falo do Rio onde cresci. O Brasil camuflado não consegue mais se esconder. E agora começamos a ver o imenso caos e a rotineira violência que faz parte do horror do cotidiano de todos por aqui . A gente nem percebe quando começa a se acostumar, se adaptando, tocando a vida “normal” apesar de tudo...

Estou neste momento no Rio, no começo do ano que inicia hoje, depois desta festa que sempre amei- o Carnaval.

Sim, o ano começa hoje no Brasil. Depois do Carnaval. E este ano, mais do que nunca, o Carnaval pareceu que foi um esforço de fazer uma grande festa, apesar de tudo. TUDO muito e violento.

E hoje o dia chega com o fim das Utopias, a fantasia acabou e estamos acordando num Tsunami de realidade. E uma intervenção federal aportou no Rio.

"Violência não é só tiro e facada, violência é o que se faz rotineiramente contra essa cidade, contra tudo o que é bonito ou ameaça dar certo por aqui"- como diz a Cora Ronai

Não sei desde quando nos tornamos uma sociedade de excessos e com total despudor para nos darmos bem.

Desde que cheguei em Dezembro a palavra que mais ouvi este ano foi : esquema.

Imagina você que, assim que desembarcamos no aeroporto internacional, um senhor que carregava malas chegou em nós e disse:

-Tenho um esquema bom pra troca uns dólar ou euro.

Agradecemos e seguimos e o senhor abordou o pessoal de trás que aceitaram o tal esquema.

Na sequência fomos tentar pegar um Uber e um taxi encostou:

- Faço um esquema com vocês, nem ligo o taxímetro e fecho x de valor a corrida. Neste momento começou a chover e cansados, aceitamos o esquema. Dirigia feito um louco, som alto, papo estranho e confesso que ficamos com medo. No final da corrida não tinha troco e cobrou extra pelas malas. O tal esquema saiu caro. E nem podíamos reclamar, fomos coniventes.

Depois do café no dia seguinte resolvemos comprar um jornal e começar a “chegar" por aqui. Marido que gosta de folhear páginas de livros e jornais, mergulhou nas noticias deste pedaço do mundo. Eu foi me comunicar com os meus daqui, saber das notícias. Num dos papos, falava com amigos de uma comunidade que me contavam os esquemas de lá. E Marido, que é alemão, que lia sobre o esquemas do Brasil, me perguntou:

-Amor, afinal, o que é esquema?

Parei pra pensar e tentar explicar.

- É o modus operandi para resolver uma situação. Muitas vezes um grupo tira proveito ou "cria dificuldades pra vender facilidades". Alguns esquemas são mais ou menos lícitos.

Foi a melhor explicação que consegui. E continuei...

Tem esquema pra tudo: Pra conseguir uma autorização de funcionamento de uma escola, pra conseguir uma barraca na feira, pra ganhar o Carnaval, pra conseguir likes no Instagram, pra desviar água ou luz do vizinho e não pagar a conta, pra regularizar uma situação fiscal, pegar um celular que tá dando mole ali, conseguir um parecer favorável de um juiz, conseguir um servicinho dando um “agrado” pra alguém que ajudou a conseguir o tal serviço, superfaturando o valor.

Se for de nosso interesse, somos mestres de justificar os “desvios”.

Você está com os documentos atrasados do carro? AH, mas se passar numa blitz é só desenrolar um “café” com o policial.

O processo demora muito pra andar? AH, é só molhar a mão pra pessoa encarregada que ele anda. Lembra daquela questão da escola técnica que no elevador da secretaria de educação me “sugeriram” um valor pra andar melhor? Não paguei e fiquei 5 anos nas negociações.

As situações vão nos vencendo no cansaço ou a gente vai aceitando, tolerando…

E Marido alemão respondeu:

-Esquema é uma palavra parente de “esperto”? Aquela pessoa que estaciona no ponto de ônibus, escuta som alto, fala aos berros, fura fila, e se alguém reclama, acha ruim. Senta na murada em frente a baia pra curtir um fim de tarde e joga seu o lixo no chão ou no mar? AH, mas o pessoal da Comlurb tem que ter emprego afinal. A rua é pública e lixo não é um problema meu?

-Não amor, isso é educação, uma Utopia por aqui- prontamente respondi.

De alguma forma ele está certo, Esquema e esperto são da mesma “família"

No ano anterior tive de explicar o antônimo de Esperto- Otário.

Muita vergonha do que Marido alemão tem tentado aprender por aqui.

Parabéns a todos nós. Somos cúmplices!

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