O norte da Argentina pode não parecer com a imagem que você tenha desse país, cuja capital nos lembra Madrid ou mesmo Paris. Distantes cerca de 1.400 km de Buenos Aires, as províncias de Salta e Jujuy, encontram-se, ao contrário, ligadas ao seu passado quéchua, - indígenas que habitaram a região que, hoje, pertence ao Peru e ao Equador.
Portanto, se você estiver disposto a se aventurar por essas terras - que já pertenceram à rota do comércio da prata, oriunda de Potosi na Bolívia no século 17- descobrirá um país atípico. Mais pobre, porém, cheio de história e cercado por um ecossistema peculiar.
Apenas um alerta: as distâncias a serem percorridas são grandes. Você precisará de uma boa disposição para usufruir dessa experiência inigualável.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Sua natureza é inóspita e desértica. Seus rios percorrem o altiplano, se perdem no horizonte e abrigam povoados perdidos no tempo. A mudança brusca de altitude – pode atingir mais de 4.000 metros acima do mar - permite que a temperatura caia num piscar de olhos. E aí, se a névoa e o vento forte impedirem a sua visão, mais adiante, tudo se desanuvia e você se defrontará com uma atmosfera límpida e fresca ao seu redor.
Dependendo da sorte, você andará entre cabras, vicunhas e jumentos selvagens. Verá alguma raposa vermelha, porém, difícil de ser detectada, devido ao próprio solo avermelhado da região.
Sua população nos faz pensar que estamos na Bolívia ou no Peru.
As várias espécies de milho utilizadas na culinária também nos lembram os vizinhos. As tortilhas são assadas na brasa (foto acima), tanto vale comê-las quanto apreciá-las sendo tostadas. E quando isso acontece diante de uma paisagem magnífica tudo fica mais gostoso e fascinante.
MERGULHANDO EM SALTA E JUJUY
Capital da província do mesmo nome, Salta é uma cidade marcada pela história. Nela estão a Praça 9 de Julho com seus arcos espanhóis, o Cabildo, hoje Museu Histórico, as igrejas e o Convento de São Bernardo com a porta esculpida à mão pelos indígenas no século 18. Tudo é a prova viva da opulência da cidade no período colonial.
Cachi, distante uns 150 km de Salta, às margens do rio Calchaquí, com seu casario branco, nos convida para um pernoite. A Quebrada de Cafayate (foto acima), uma espécie de Grand Canyon latino-americano, repleto de paredões esculturais, e o Parque Nacional de Los Cardones - floresta de cacto da espécie cardón que pode atingir a idade de 400 anos e medir até15 metros de altura - revelam a exuberância do lugar. Lá, tudo é superlativo.
Entretanto, conforme você segue rumo à província de Jujuy, a paisagem se torna menos hispânica e mais quéchua com sua terra mais seca e cheia de tonalidades variadas. Sem exageros, a suavidade do azul do céu se misturando ao verde singelo de sua gramínea acalma os nossos espíritos.
O Cerro de los Siete Colores, cordilheira formada ao longo de 75 milhões de anos por sedimentos marítimos e de lagoas que ali existiram, reina absoluto. Fotógrafos da natureza se sentirão compelidos a fotografar compulsivamente ao se defrontarem com as colorações de suas montanhas.
As Salinas Grandes, uma espécie de lago salgado há milhões de anos, tal qual um presente da natureza, tornou-se uma intrigante planície de sal. E é ali naquela imensidão branca que vislumbramos o encontro perfeito do céu azul com a montanha verde e o branco do deserto de sal ao longe. Indescritível!
As cidadezinhas de Purmamarca, Tilcara, Humahaca e Yavi são um caso à parte. Purmamarca nos lembra San Pedro, no Deserto de Atacama, no Chile. Porém, menos badalada, aposto que suas montanhas afugentam visitantes indesejados.
Tilcara é linda, com suas ruínas incas e casas coloridas. Orgulhosamente, expõe no centro cultural a sua luta contra os anos de chumbo no país. Humahuaca cortada por ruelas de pedra e casas baixas feitas de adobe - um tipo de tijolo produzido com terra e fibras vegetal mistura à água e secos ao arlivre sem ir par um forno - me fez sentir com vontade de lá ficar.
Entretanto, foi Yavi, uma vila coladinha à Bolívia, que conquistou meu coração. Caminhar pelas suas cinco ruas de terra batida e casas também de adobe, com mais de 100 anos, foi inesquecível. Seu silêncio, cor avermelhada e azul do céu tocaram minha alma.
A igreja construída em 1680 (foto acima) ricamente ornada está fincada em um verdadeiro oásis verde e florido, em contraste com a aridez ao seu redor. Foi a cereja do bolo que faltava para eu voltar para casa feliz da vida.
Enfim, desbravar essa Argentina implica se aventurar por uma terra íntegra que, a duras penas, resiste. Implica pisar em solo sagrado, morada de deuses aimarás e quéchuas - povos indígenas – que teimam em protegê-la.
Quanto a mim, jamais me esquecerei dessa experiência.
Fotos: Acervo Pessoal
Miriam Waidenfeld Chaves, apesar de morar no Rio de Janeiro, gosta de frisar que é mineira, da Serra da Mantiqueira. Aposentada pela UFRJ, ela transforma suas viagens em verdadeiras aventuras. E é, principalmente, flanando por horas a fio que descobrindo novos horizontes, ruelas, praias, becos e paisagens. Fotografa tudo. E depois, tudo vira memória.
Texto maravilhoso, leva a gente pra passear. E as fotos? Mais ainda com a marca da sensibilidade da fotógrafa que mais gosto, ultimamente.