O reencontro com Paris me estimulava à flânerie por suas ruas. Seguia roteiros e trajetos clichês já percorridos por diversos escritores em outras épocas, que coloriam minhas lembranças da cidade das luzes. Perseguia os passos de Baudelaire como se estivesse no século XIX, ou me imaginava participando junto com a turma dos poetas e pintores residentes em Montparnasse, da noite nos cafés de Saint Germain. Apreciava a Rive Gauche, sentada em seus bistrôs, como no início do século XX, quando Paris era uma festa. Na busca de entender a cidade, percorria suas passagens, inspirada em Walter Benjamin, quando, numa tarde dominical, um novo objeto capturou meu olhar à beira do Sena: o festival hip hop ancorado próximo ao “Quai d`Orsay”. A diversidade de pessoas e seus corpos livres reforçaram algo já percebido nas estações de metrô parisiense – que a festa em Paris agora era outra.
Afinal de contas, já o poeta Baudelaire em (O Cisne) Fleurs du Mal, havia anunciado que “A velha Paris não é mais! /Muda mais rápido, ai, / que um coração mortal. ” Entretanto, minha nostalgia me confundia. Sentia como o poeta “Paris muda! Porém minha melancolia /É sempre igual...! No dia seguinte a este episódio, o final de tarde no Deux Magots e no Café de Flore, confirmava a suspeita de que Woody Allen tinha roubado definitivamente a aura daquele tempo e que minha nostalgia romântica só poderia ser recuperada numa sala de cinema, assistindo ao filme Meia Noite em Paris. O desejo de me misturar à multidão, sair de uma mera postura de observadora, seguir um outro pelo labirinto da cidade impregnava meu corpo, quando um convite oportuno de uma flânerie em Aubervilliers, uma banlieue parisiense, desviou meu caminho pré-roteirizado em torno da cidade monumento. Conduzida por um poeta multi, slameur, ator, chamado Hocine Ben, a caminhada estava circunscrita a um quarteirão chamado de Maladerie daquele subúrbio. Tudo parecia conspirar a favor do objetivo de pesquisar os novos significados do flâneur na literatura contemporânea para minha dissertação de mestrado.
Aubervilliers surgia como nova referência de espaço da cidade francesa e me apresentava uma outra cartografia imaginária, povoada de novos afetos e ruas, que, apesar de desertas, naquela tarde, pareciam pulsar vidas submersas, enclausuradas, de novas histórias desconhecidas. O tour previa o contato com alguns artistas da área que funciona como um viveiro de produção cultural. Hocine declamou sua poesia rap, que sintetizava a história dos imigrantes argelinos, mesclada à história de Paris e os novos horizontes de alguns franceses filhos de imigrantes, excluídos, que encontram na produção cultural, em seu caso, literária, uma saída e a possibilidade de visibilidade.
O tour à Maladerie, em Aubervilliers, causou um impacto no meu olhar sobre a cidade, pois iluminou diversas questões que pareciam submersas ou ignoradas quando apenas se percorre o centro da cidade de Paris, pautada por uma cartografia motivada apenas por lembranças, de um imaginário explorado pelos media e a indústria turística, que se quer mais uma vez recordar. Poderia comparar Paris com Zara, cidade visitada por Marco Polo, em As cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino e grifada por Renato Cordeiro Gomes em seu livro Todas as cidades, a cidade. Paris é como Zara, uma “cidade que quem viu uma vez nunca mais consegue esquecer” (GOMES, 1994, p. 46). E neste meu encontro, nova rota foi traçada para o meu projeto final do mestrado.
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