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  • Foto do escritorDo Rio pra cá

Florença e a Felicidade recriada


Não sou dada ao cultivo de saudades: o meu tempo é o presente em toda sua concretude e miudeza. Mas a saudade às vezes me espera, atocaiada nas esquinas, escondida em aromas que caem sobre mim sem aviso, camuflada em canções que inesperadamente brotam de alto falantes e me trespassam o coração sem pedir licença.

Imediatamente algum desses disparadores me leva de volta, sem contemplação, a algum momento em que acreditei viver algo único.

Que não me imaginem presa fácil, pois não sou.

Uma vez vitimada pela saudade, me faço de louca, seco logo os olhos e trato de meter-me imediatamente em algo prático e demolidor de devaneios, rezando para que o próximo ataque tarde muito a acontecer.

Mas, por uma vez, foi diferente. Nas semanas de frio que tivemos agora em São Paulo, aconteceu: um cheiro inesperado, em pleno Mercado, me lembrou da sopa inesquecível e perfeita que tomei num inverno passado em Florença. Para ser sincera era mais, muito mais do que perfeita, era inesquecível, pois vinha cercada de tudo o que me fazia feliz então e que não pode ser retomado nem repetido.

Mas, no momento em que buscava pelo infalível pacote de lenços de papel, as lágrimas pararam sozinhas diante do desejo: fazer a sopa e oferecê-la para as novas pessoas que não faziam parte da minha vida naquele inverno, mas que são importantes agora mesmo.

Acreditando piamente que iria conseguir a receita (não qualquer uma, mas a daquele específico restaurante), que iria fazer a sopa e que ela corresponderia ao que eu esperava, botei mãos à obra. Algumas semanas depois – e testes prévios de que foram vítimas minha vizinha de porta, a cabeleireira do salão da esquina e até mesmo o porteiro do edifício - abri a porta de casa aos convidados com certa apreensão.

O mundo parou por várias horas enquanto falávamos e comíamos, ríamos e comíamos, brindávamos e comíamos, e por fim, só comíamos e comíamos, porque a felicidade tinha sido recriada de repente numa cozinha de um bairro popular tão distante de Florença. Saudade? Xeque-mate, desta vez eu venci.[1]

[1] A sopa em questão é a Ribollita (Refervida, em português), uma sopa de feijão branco, com legumes e pão, típica da Toscana. O restaurante inesquecível é a Trattoria Mario, atrás do Mercado de Florença. A receita… é só me pedir!

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