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Museu Nacional , o fogo do descaso

Atualizado: 5 de out. de 2019


Museu Nacional

Foto: Roberto da Silva

Confesso: estou tomada por uma forte emoção que, inclusive, me faz escrever este texto. Eu escrevo. Já escrevi alguns livros de romance, contos, e já escrevi ensaios. Não se escreve impunemente. O ato de escrever é, por si, um comprometimento e uma tentativa de expressão que não ocorre gratuitamente. A escrita existe para denunciar, expor, gerar debate, reflexão, tocar. Para todo o resto existe o pensamento, essa intimidade que anda ficando escassa e exista.

Minha emoção tem uma razão macabra. Hoje, dia 3 de setembro de 2018, um incêndio arrasou o Museu Nacional no Rio de Janeiro. Não vou me prolongar sobre as minhas visitas ao local, a primeira delas ainda aos seis anos de idade e da qual pouco me lembro. Mas a pouca idade não era de ser nada, já que eu poderia sempre voltar ao museu como quem volta a um livro pela vida afora. E assim foi. Sortuda que fui, tive a oportunidade de voltar, já mais crescida, enquanto cursava a Faculdade de Letras da brilhante, ainda que sucateada e entregue à própria sorte, UFRJ.

Pula algumas casas e eu moro em Londres. Visito com frequência o Museu Britânico e sempre ouço vozes brasileiras pelas seus corredores bem iluminados, bem cuidados. As vozes do meu povo concordam que aquele é um lugar maravilhoso! Concordam que a Cultura e as Artes são o que faz de um povo uma civilização. Dizem que aqui na Europa sim, as pessoas valorizam os museus e seus acervos.

Quando ouço, e respondo em silêncio nos meus pensamentos, digo para essas pessoas que não é vantagem viver dentro de um equívoco e pensar a Europa como exemplo. Digo, não, grito que eles precisam conhecer Luzia, o esqueleto Maxakalisaurus topai, o primeiro dinossauro de grande porte a ser montado no Brasil, o meteorito de Bendegó (soube que está salvo), a coleção de mais de 700 peças de arqueologia egípcia, o trono de Daomé, o prédio, a História do prédio, a História do Brasil, a nossa História, afinal de contas.

Museu Nacional em chamas

Foto REUTERS/Ricardo Moraes

Minha filha de nove anos me perguntou sobre o museu em chamas. Eu disse, com muito pesar, que era aquele que a gente ia visitar ano passado quando fomos de férias para o Brasil, mas que, com a visita ao Cristo Redentor, não deu tempo. Na época, imaginei que poderíamos voltar um outro ano, afinal, museu, essa coisa sagrada, estará sempre lá pra nos nortear, orientar e identificar como parte preciosa de um todo. Eu disse pra ela que era o nosso Museu Britânico. Os olhinhos arregalados me mostraram que a coisa tem uma gravidade que mesmo crianças ocupadas com suas distrações conseguem entender.

Mas então, por que nossos governantes teimam em sucatear nossas Artes e a nossa Cultura? Por que recursos para pesquisas vão sendo extintos enquanto salários já altos só fazem crescer? Como justiçar votar em candidatos que bradam por Educação e Saúde dignas para todos quando eles mesmos não arriscam suas famílias no SUS ou nas escolas públicas? Onde está a coerência? Seria então, a queima e extinção da nossa identidade um plano para encerrar de vez nossas oportunidades de conhecimento, crescimento, reflexão para desafiar com argumentos e debate a situação cada vez mais desesperadora de um país fracassado em pedaços?

O que os turistas brasileiros que louvam a Europa como se isso fosse vantagem não sabem é que nós, brasileiros, poderíamos também desfrutar de cultura democrática, acessível, bem cuidada. Precisamos ter menos esperança, palavrinha vulgarizada que teima em desculpar o desrespeito e o descaso de quem deveria governar. É essa fé cega que sempre justificou nossos fracassos e irresponsabilidades. Precisamos não perdoar a tragédia que anula nossa História numa única madrugada. Precisamos pagar os profissionais das Artes com excelentes salários. Precisamos fazer das políticas de cultura uma prioridade. Precisamos nos livrar de quem não nos quer bem. Precisamos nos fortalecer. Agora sem as pernas e sem os braços, mas ainda com desejo.

Luzia, o esqueleto Maxakalisaurus topai

Vou contar para os meus filhos sobre uma mulher de Minas, Luzia, que morreu pela segunda vez, só que agora pelo uso indevido das nossas contribuições tributárias. Museu Nacional ...Uma vergonha que temos o dever de carregar para que não seja esquecida.

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