A "Purple Rain" de Lisboa chegou
- Natalia Gautreaux
- há 15 minutos
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Lisboa, a cidade das sete colinas, ganha um encanto especial na primavera, quando suas ruas, praças e avenidas são tomadas por uma explosão de flores lilases. Essa transformação se deve aos jacarandás, árvores bonitas, elegantes e exóticas que, ao florescerem entre abril e junho, criam um cenário deslumbrante e fotogênico que encanta tanto moradores quanto visitantes da capital portuguesa.
Mas, como essas árvores chegaram a Lisboa?
Dizem que a melhor vista do manto lilás que cobre a cidade na primavera é a partir do rio Tejo. Curiosamente, o Tejo tem uma ligação direta com a história dessas árvores, pois foi através das embarcações vindas do Brasil, no início do século XIX, que as sementes dos jacarandás chegaram ao porto de Lisboa.

O jacarandá-mimoso ou jacaranda mimosifolia, nome científico, espécie que colore Lisboa todos os anos, é originário da América do Sul, especialmente das regiões subtropicais da Argentina, Paraguai, Bolívia e Brasil. Apesar de suas raízes distantes, encontrou em Lisboa um clima perfeito para se desenvolver. Inicialmente, essas árvores faziam parte da coleção do Jardim Botânico da Ajuda entre 1811 e 1826. No entanto, foram espalhadas pela cidade, o que enriqueceu a paisagem urbana.
A introdução dos jacarandás em Lisboa foi iniciativa de Félix Avelar Brotero, considerado o pai da botânica em Portugal. Naquela época, pigmentos do espectro azul eram valiosíssimos e, devido ao seu exotismo, os jacarandás adquiriram um valor imensurável para a realeza, simbolizando poder, sofisticação. Além do mais, era uma das provas de que a Corte portuguesa era proprietária de terras tropicais e longínquas do outro lado do oceano.
Não foi por acaso que o rei D. João VI, ao retornar a Portugal, tomou a decisão de abrir o Jardim Botânico ao público todas as quintas-feiras. Se hoje os jacarandás ainda nos surpreendem, mesmo em meio a tantos estímulos visuais, imagine o impacto significativo que causavam naquela época.
Mais do que árvores, um patrimônio
Mais do que meros elementos decorativos, os jacarandás desempenham um papel fundamental na identidade visual de Lisboa. Sua floração cria verdadeiros corredores lilases em algumas das principais ruas da cidade, que transforma a paisagem urbana e proporciona momentos únicos para quem passa por elas.

Eugénio de Andrade (1923-2005), um dos poetas portugueses mais importantes do século XX, era conhecido pela linguagem simples, mas intensa. Cultivava uma escrita sensível, marcada pela busca da beleza e da essência das coisas e com forte conexão com a natureza em seus versos. Seus poemas evidenciam uma profunda ligação do poeta com os jacarandás. Eram utilizados como metáforas para temas como renovação, memória e beleza efêmera.
“São eles que anunciam o verão. Não sei doutra glória, doutro paraíso: à sua entrada os jacarandás estão em flor, um de cada lado. E um sorriso, tranquila morada à minha espera. O espaço a toda a roda multiplica os seus espelhos, abre varandas para o mar. É como nos sonhos mais pueris: posso voar quase rente às nuvens altas — irmão dos pássaros — perder-me no ar.” ( no livro “Os Sulcos da Sede” (2001) “Aos Jacarandás de Lisboa”.

Quando os jacarandás florescem, parece que o céu desaba em uma chuva roxa — uma 'purple rain' viva e silenciosa que transforma as ruas comuns em passarelas de sonho. Cada pétala que cai é como uma gota de nostalgia e beleza efêmera, lembrando que a vida é feita de ciclos: florescer, brilhar, cair e renascer.
A delicadeza das flores contrasta com a arquitetura pombalina e os azulejos que adornam os edifícios criando um espetáculo visual inigualável. Além disso, a queda das pétalas forma tapetes naturais sobre calçadas e praças o que torna cada esquina cenário digno para uma foto.
Lugares em Lisboa para apreciar e fotografar os jacarandás
Falando em registros fotográficos, aqui está uma lista de onde encontrá-los: Rua Castilho, Largo do Rato, Praça D. Pedro IV, Av. 24 de julho, Largo de Santos, Av. Dom Carlos I, Jardim D. Luís, Av. 5 de outubro, Largo do Carmo, Jardim Vasco da Gama, Av. da Torre de Belém e Largo do Correio Mor.
Se deseja viver uma experiência inesquecível, a primavera oferece um charme extra. Aproveite a atmosfera vibrante que toma conta da cidade nessa época do ano. Lisboa estará de braços abertos e envolta em tons de lilás para receber todos os turistas.
Algumas curiosidades sobre os jacarandás

• Uma das razões pelas quais os jacarandás se espalharam por Lisboa foi o fato de Felix Avelar Brotero oferecer, gratuitamente, sementes a quem as quisesse cultivar, incentivando a disseminação desta árvore pela cidade.
• A necessidade de temperaturas elevadas impede que a árvore seja uma boa escolha para zonas a norte do Tejo, por isso, é comum encontrar jacarandás em Lisboa, Coimbra, Évora, Algarve e Funchal na Ilha da Madeira.
• Os dois jacarandás do Jardim Botânico da Ajuda, os primeiros a adaptarem-se a Lisboa, são os últimos a florescer na cidade. E costumam ser mais exuberantes do que as outras, que outrora brotaram delas.
• Os jacarandás perdem todas as folhas antes de florescerem e é por esse motivo que as flores roxas são tão visíveis e impressionantes.
• Um jacarandá pode viver até 200 anos. As duas primeiras árvores plantadas em Lisboa ainda estão vivas e podem ser vistas no Jardim Botânico da Ajuda.
• Os jacarandás podem ser encontrados em vários locais, além da América do Sul e Portugal. Também podem ser vistos em cidades da África do Sul, Espanha, Itália, França, Austrália, Nova Zelândia, China, Chipre, Paquistão, Índia, México e Estados Unidos.
Natália Gautreaux é carioca. Formada em Direito pelo IBMEC-RJ e trocou de carreira há cinco anos quando se mudou para Portugal. Agora, faz licenciatura em Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Ama planejar roteiros de viagens, escrever e explorar novas culturas.
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