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  • Foto do escritorDo Rio pra cá

Crowd Surf


Minha vida perdeu o sentido não por causa de nenhuma crise ou trauma, mas quando estava tendo tudo o que queria: uma vida de atriz em ascensão, um livro publicado, comerciais publicitários que me geravam renda, aulas de yoga, trabalhos com produção cultural, uma pequena empresa de pães integrais, um apartamento numa das consideradas “melhores” áreas do Rio e no meio disso tudo ainda cursava uma faculdade de teatro.

Ufa! “Catharina, você sempre foi assim.

Adora fazer muita coisa ao mesmo tempo” dizia minha avó.

Bom, mas estava fazendo tudo o que eu gostava. E por que meu cabelo caia, minhas unhas quebravam e o buraco negro da depressão começou a aparecer de novo? Síndrome do pânico. Compulsão alimentar. Outra vez? E lá estava eu, novamente, tomando uma infinidade de remédios. Dentre eles o que nunca tinha largado, um estabilizador de humor para me manter unipolar.

Para evitar as crises de euforia e depressão. Para “tratar” meu transtorno maníaco-depressivo.

E ele já não resolvia mais. Minha fase de depressão não estava relacionada a desequilíbrios químicos no meu cérebro que precisavam ser balanceados com remédios.

Eu estava medicada, mas as pílulas só me traziam uma dose de força para continuar minha vida “estabilizada”.

Minha alma estava gritando por socorro, por mudança.

“Que tipo de Yogui é você que ensina o que não vive no dia-a-dia? ” Pensei.

Foi então que tranquei minha quinta faculdade, vendi meu computador, todas as minhas roupas e cada móvel que me restava. Vendi também a falta de tempo para comer, os preços absurdos de Copacabana, o conceito “trabalhar e pagar aluguel”, larguei o modo comercial de fazer arte, larguei o cigarro e todos os meus remédios para me medicar com um verbo: viajar.

Um mês e meio depois aterrissava no segundo verão do ano, em Portugal, para trabalhar como terapeuta de Reiki no Boom Festival e de lá fui morar numa caravana em uma fazenda de Permacultura no interior das terras lusitanas. Seis meses se passaram até chegar onde estou agora, na Irlanda.

Ah! E entre lá e cá ainda toquei darbuka com os beduínos no deserto do Saara.

Boom Festival

BOOM

No Boom, fui com o objetivo de trabalhar com a cura, com a cura através das mãos, mas fui eu que comecei a ser curada. Comecei a curar meus medos. O primeiro foi o medo da minha voz. Foi numa oficina de throat singing que estava acontecendo ao lado da Sweat Lodge na beira do lago num lugar do festival chamado Healing Area. Canto com a garganta ou throat singing é uma forma ancestral de canto. Ouvi minha voz gutural. Ouvi a voz da minha alma.

“You don`t need this! Leave it. Leave it ” repetia o guru indiano quando saímos juntos de seu tipi quando eu queria carregar toda minha mochila. Nessa noite íamos escalar uma árvore. “Go, go...” E lá estava eu, no ponto mais alto do festival, curando meu medo de altura. “See… you can go higher than you think you can.” Dizia, com sotaque indiano, aquele ser mágico e peculiar vestido de laranja, da cabeça aos pés, com dreadlocks esbarrando no meio de suas pernas.

Courelas do Monte/Évora

Alentejo

“As plantas são dispostas em linhas, o buraco para enfiar a planta não precisa ser nem raso nem fundo demais. Não precisa ser gentil. É rapidez. Você sabe o que se aprende num curso de permacultura? A economizar tudo, inclusive human energy. Você pode poupar tempo e energia para fazer alguma coisa que você realmente goste. Eu sou perfeccionista. Ah! No campo você vai aprender a ser prática. Perfeição não existe. ” Dizia a homeopata, que era responsável pelos woofers na fazenda que trabalhei em Évora, enquanto comíamos o ratatouille feito com os vegetais que tínhamos colhido de manhã.

Sem dúvida, você é o que você come. Pude sentir na pele, no corpo e na mente o efeito da alimentação saudável, vegetariana e orgânica. Ver que minha comida vinha da terra e não das prateleiras do supermercado era uma sensação de pura liberdade, que mudaria meus conceitos sobre alimentação pelo resto da minha vida.

Da fazenda no Alentejo fui para uma Aldeia de Xisto nas montanhas do norte passar um período na casa de um xamã. Era um ritual indígena. Sim, me aprofundei nas medicinas indígenas brasileiras na terra dos colonizadores portugueses.

Serra da Lousã

Aldeia

Era noite, ventava lá fora. Estava sentada em frente a lareira, com minhas mãos espalmadas sobre meu caderno de viagem, meu Djembê ao meu lado e minhas lágrimas escorrendo sobre minhas anotações.

-“Por que essa culpa de viver? Você não acha que esta desapegada demais? E sua família? Que carreira você vai seguir? Da onde você vai tirar dinheiro para viver? Você tem que seguir um rumo! Tem que escolher UMA coisa. Onde você vai parar com isso tudo? Será que você nunca vai terminar nada na vida? Você não pode parar em um lugar só? Você, você... ”

E no meio de toda aquela falação mental, o fogo.

O fogo estava acabando bem ali do meu lado. E eu só escutava o que se passava na minha mente sem enxergar os outros. Eu era responsável por manter a chama acesa. O fogo não podia apagar. Ou eu continuava ali, parada, dando ouvidos as minhas indagações mentais e me afundava na mente ou eu colocava lenha na brasa. Todos que estavam ali naquele ritual iam passar frio se eu não fizesse nada. Enxuguei minhas lágrimas, fiquei de pé e, como uma boa atriz, parti para ação. Ação, no sentido que diz o Swami Vivekananda, desinteressada. Agir pelo prazer de servir ao mundo. Reacendi o fogo, peguei meu caderno e escrevi, peguei meu tambor e toquei.

Agi. Toquei, escrevi e reacendi a chama que se apagava. Ali, naquela cidade de 300 habitantes no alto da montanha posso dizer que, sim, curei minha pressão e depressão através da ação. A pressão de ter que escolher uma coisa só para fazer da vida e a depressão ou o aprisionamento mental que me tirava a capacidade de agir.

Deserto do Saara

-“Você está bem? ”- Me perguntou o beduíno enquanto eu meditava de olhos abertos em cima de uma duna. Sem filtros, eu via na minha frente o sol tocar a imensidão amarela que embranquecia quando o terra cota, o azul pastel e o laranja estratosféricos davam lugar a uma imensidão azul índigo respingada por cintilantes pisca-piscas de LED natural.

-“Aqui a gente se guia pelos astros. Está vendo aquela estrela ali? É o norte”. Quando ao meu redor não tinha nada. Absolutamente nada. Eu olhei para cima, olhei para o céu. E ali curei minha falta de esperança.

Poético demais? Só poesia para explicar o deserto do Saara.

Irlanda

Vitrines enfeitadíssimas e luzes coloridas aqueciam o ar cinza, frio e também aqueciam minha caminhada pela cidade tentando achar um ponto de ônibus disponível numa véspera de natal irlandesa. Dez e quarenta e cinco da noite:

– A senhora é a única pessoa que entrou nesse ônibus desde quatro horas da tarde. – Disse o motorista.

E ainda era o ônibus errado. Aliás, era o ônibus certo, já que essa era a única linha que estava funcionando nesse dia, mas ninguém, no pub irlandês que trabalhei durante toda a véspera de Natal, me avisou.

Meia hora depois eu estava no aeroporto.

Depois de quase entrar em pânico por pensar que pudesse dormir por lá na noite de natal já que não tinha dinheiro para pegar um taxi, não havia nenhum transporte público disponível dentro de dois dias e também não tinha nenhuma perspectiva de começar a andar 20 quilômetros num frio de zero grau até minha casa, percebi que tudo o que eu precisava estava ali ao meu alcance: uma tapioca (sim, uma tapioca na Irlanda), um chá quentinho numa garrafa térmica e uma manta. Pronto a felicidade estava ali, já estava conformada em dormir no aeroporto quando o telefone tocou:

– We are going to pick you up! – Disse a parceira do meu amigo, em sotaque irlandês.

Flashback Lisboa

Quando aterrissei em Portugal fiz couchsurfing. Uma forma de viajar mais sustentável e menos turística. Consiste em ficar em sofás de pessoas desconhecidas e sem dúvida maravilhosas. Todas as minhas experiências foram incríveis, exceto uma, que não aconteceu. Estava saindo da casa de um host (assim que chamam as pessoas que hospedam os viajantes) indo para casa de outro host quando recebi uma mensagem “Infelizmente meus planos mudaram e não poderei mais te hospedar”. E lá estava eu, com toda a minha bagagem sem saber para onde ir. Bom, sentei num café e comecei a procurar outro host, outro sofá, amigos, conhecidos. Então, duas horas depois meu amigo (também professor de Yoga) disse “eu tenho uma amiga”. Não era uma amiga, era um anjo. Fiquei hospedada na casa dela durante a maior parte do tempo que estive em Lisboa.

Curei, assim, o medo de pedir e de aceitar receber. E percebi que o efeito curador de viajar não está relacionado aos lugares que você visita, mas sim as pessoas que você conhece.

Fotos: Catharina Franca

Tudo isso aconteceu em um semestre! Um semestre de conhecimento e, principalmente, autoconhecimento que nem Harvard é capaz de conceder a nenhum estudante brilhante.

Já dizia Sócrates nosce te ipsum ou “conhece-te a ti mesmo” e cura-te, posso acrescentar.

Então, resolvi criar um projeto chamado squeezeyourkarma.com.

Uma caravana que me viabilizasse unir e compartilhar todas as minhas curas: natureza, yoga, arte, gastronomia e claro viajar.

Desapeguei da vida da cidade, passei a me tratar com yoga, reiki e com as medicinas indígenas. Descobri mais uma paixão: o canto. Entendi que o dinheiro não cresce em árvore, mas minha comida sim. Aprendi que o remédio mais poderoso de todos é o amor. E acima de tudo, aprendi a me aceitar do jeito que eu sou. Aprendi que você não precisa se anular e se espremer para se encaixar numa certa forma de vida. O mundo é grato quando você está sendo quem deve ser.

“Só aquilo que somos realmente tem o poder de nos curar. ” Já dizia Carl Gustav Jung.

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